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domingo, 6 de julho de 2014

Divindade

Sei que teu riso expulsaria os demônios.
Aniquilaria os fantasmas que habitam e assolam,
A pobre alma fosca dos errantes viventes.
Fulgures das tuas órbitas queimam os abantesmas. 
Vi quando o divino destruiu um planeta.
E dos destroços do orbe fez surgir tua face.
Vi tua face se espelhar no firmamento.
Achou Deus, por bem, chamar isso de abóbada celeste.
E para adornar o céu ele dependurou teu riso.
Quis, por bem, chamar isso de estrelas.
Ambicionou Deus, que o brilho desses astros,
Guiassem os errantes, e longe se tornou um lugar que não existe.
Não mais. Não enquanto ficassem em tua orbita.     
Para dar feitio a terra, desenhou Deus teu corpo,
Faceirou teus velos, chamou isso de jardim.
Por não conseguir te alcunhar, batizou de anjo.
É um anjo que me tenta, e não me guarda.
E teu espirito se move sobre a face das minhas trevas.
Destruindo as bestas, e bradando: haja luz.
Chamou Deus isto de felicidade.




Talvez


Talvez seja chegada a hora de caiar as velhas paredes.
Descoloridas e escarnecidas por teus lábios carmim.
Rabiscarei com as vividas cores da aquarela celeste um tempo meu.
Um tempo sem intercalações, um tempo sincopado, um tempo com meu tempo.
Um tempo com mais contento, um tempo sem os contratempos.
Onde tuas unhas não possam ferir minha carne nem machucar meu cerne.
Percorrerei minhas paredes, esquadrinhando, gritando cores, rabiscando a alma.
Talvez mude apenas detalhes, formas e jeito das minhas paredes.
Mude as estampas do nosso amor em preto e branco.
Junte o que sobrou, e decida não pendurar mais nada nas minhas paredes, e não revele mais nada, ouça tuas palavras como nada.
Pois às vezes o tempo leva a magia, e eu já não sinta mais nada.
Descubra mil maneiras de dizer o teu nome: por amor, por tédio ou como se não fosse nada.
Talvez seja a hora de deixar o novo bater, livrar das rugas e cuidar do jardim.
Abrir as janelas, não gritar o teu nome e me reconstruir.
Talvez seja o tempo de andar nas horas, nas cinzas das horas, de dançar novas auroras.
Riscar teu nome da minha carne, sem grafitar mais o infinito.
E assim: redesenhar meu tempo.

sábado, 24 de maio de 2014

Tonalidade

Timbres não esperam por ninguém. 
Toou como as ondas rebentam o cais. 
Não serei joguete desse mundo mal. 
Não mais, não por hoje, não por tão pouco. 
Meus tons se misturam com luzes, sinestesia. 
Meus batuques celestes caíram como uma pequena gota serena. 
E afogarei o mundo com o veneno dos meus timbres surdos. 
Rangendo os dantes como uma bomba dormente. 
Queimarei tua carne, silenciosamente. 
Só pra ver tua dor: de gozo, de gemido, do sentido que for. 
Pois o som do trovão castiga, ensurdece, açoita.  
Sei que meus timbres farão falta. 
Mas agregarei meus sons, tonalidades e pinturas, 
A outros timbres, outra vozes, outras cores. 
e no fim, cantarei minha doce sinfonia da destruição. 
Gargalhando meu riso mudo e seco por cima da tua ossatura.  


quarta-feira, 14 de maio de 2014

Texto/contexto/sem contexto

Aqui estamos queimados e reunidos:
Contexto da minha desventura.
Algoz nefasto que açoita o texto.
Eu quero ficar longe de mim.
Nas dedução mental da falta da razão.
Saia do meu mundo, antes que eu morra mais um pouco.
40 chibatadas foram desferidas pelo conjunto de circunstâncias.
1 a mais que o INRI. Sinta a ira do erro. Mate, mate, mate.
A caneta me protege.
Então devo começar a escrever isso antes que eu morra.
Sinto o sangue nas entrelinhas, teu cheiro forte e abrasador de ira.
Queimando as narinas. Talhando a carne em cada cardinal crescente.
O texto só queria um contexto.
Uma significação, um motivo para construir.
Aperte tudo que está em minhas mãos.
Sentimento sem nome.
Eu gritei: és maldito.
Largarei teu pescoço, apenas depois de roxo.
Melhor padecer no sangue, fora do papel.
Que viver cristalizado num contexto ingrato,

Que não pode me ajudar a não enlouquecer. 

sexta-feira, 28 de março de 2014

Sonhos de vento

Meus moinhos de vento não irão mudar o mundo.
Talvez o mundo não precise mais de sonhadores.
Ou meus sonhos foram incendiados pela ira dos olhos raivosos e vorazes.
Talvez não existam mais ventos.
Então, qual a serventia dos moinhos?
O vento sopra, movem pás, giram a moenda, movem o mundo, sopram a carne.
Assoviando um canto de murmúrio: assim fazem meus lábios.
Meus sonhos de vento não irão mudar o mundo.
Talvez o mundo não precise mais de moinhos.
Então, qual a serventia dos sonhos?
Talvez não haja mais moinhos.
O vento abandonou o moinho aos sonhos de girar, moer, soprar.
Moinhos de vento são gigantes caídos.
Assoviando um canto de desgraça: assim fazem teus ventos.
O vento cessa, param as pás, enferrujam a moenda, Morre o mundo.
Morder e regurgitar a tua carne: assim falou o gigante caído com o sopro.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Simples palavras

Queria as simples palavras.
Palavras simples querem o complexo.
O áspero, o soco na face depois do amor.
As palavras simples exigem a verdade,
Não cabem a elas o subterfúgio da fuga, da esquiva, da indecisão.
As palavras simples têm a função de ferir, matar, cuspir num brado.
Elas querem arder na goela, esmagar o divino, gritar teu nome.
As palavras simples despertam o Neruda.
Queria as palavras simples.
Inclusive essa que tua boca calou.
O complexo das nossas vaidades sentimentais.
Queria as palavras simples, achei teu nome.

Aliterações

O principio do fim.
Ou talvez o fim seja o principio.
Ou não haja nem principio e nem fim, nem intercalações.
Só haja o agora.
E o que somos agora?
O que somos nesse instante no qual morremos e matamos no silencio?
Será que o amor tem data de validade, prescreve, transmuta e não mais transcende?
É difícil não pensar no metafisico.
Não pensar no divino.
O frio etéreo que mata os micros organismos,
Também mata o que nos resta de alma.
E esta minha alma talvez já esteja esquartejada.
Sangrando abandonada numa viela fria e imunda.
De onde vislumbro teu quente escarro na face torporizada.
Não mendigarei esmolas de carinho.
Porém a dor me lembra de que ainda sou humano,
Que sangro quando me batem, que choro.
Mas ainda queria tua mão frigida a amolengares os meus sentidos.
Preciso saber até onde se eleva a minha alma.
Qual o limite das minhas vaidades.
Qual o volume, a medida do amor, a exata configuração dos nossos sentimentos?
Preso na teoria do eterno retorno.
Será que o amor vai mais além?
Mais além dessa casca de noz, dessa minha couraça?
Queria embrulhar a felicidade pra viagem.
Porções diárias numa capsula inscrita: instantânea.
Mas sou sempre atormentado, é o principio ou o fim?
Ou cíclico, como o eterno retorno?