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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Somático

Ser de conformação anômala. Congrego em meus traços a arrogância infeliz dos desprovidos de rigidez formal.
Mísero em vaidade e truculento ao tato.
Herdei dos meus genitores os cromossomos macambúzios que desfiguram meu fenótipo.
Os genótipos foram se desfiando de prole em prole, até culminar nessa degeneração horrenda que me reviram as entranhas só de pensar.
Vejo minha cara translúcida, os pelos por fazer que crescem em meio aos desgostos.
Leve caminhar do tempo a lembrar que minhas células oxidam. Moam com a perda d’água.
A disposição orgânica já é falha: os tecidos se sobrepujam em lipóides, numa vazo construção de enzimas clivadas.
De forma anatômica sou uma galhardia, de maneira psíquica me assombro com o pensar, na exteriorização desses, uma excrescência, um eruptu que fede.
Percebo em meus olhos a incapacidade, o infinitesimal amor que me adstringe ao compassivo,
Este é o escasso em que me prendo. Estou mais para lombricóide, ou restos de poeira do cosmos que encontraram fluido vivido e eclodiram nessa criatura mefistofélica e sorumbática.
Na fagia da vida se vai minha arcada, a agrupação dos meus átomos erram, incandescem na pestilência subversiva do viver, e eu embalo a morte, tapeando-a com quinhões de concupiscência e entorpecentes.
Minha vida é uma afita que estruge a boca, mal cheirando e atraindo os vermes (ou quem quer que seja).
Os insetos agouram a precipitação, são seres ansiosos por se queimarem com a luz, tragando os vapores queimantes dos lumes, fustigando as asas.
Eu sou este inseto furtivo, este instante de falso milagre inglório e fugaz que se traduz no nada existencial, em versos famélicos e brancos de tão caquéticos.
Meu espírito ainda é incorruptível, sopro divino que me benze em meio às moléstias.
Na minha costela falta um talho, insensatez letífera das minhas migalhas decrépitas e corroídas pelo monóxido.
Discrepância individual, ofuscada e invisível. O mundo me faz de latrina.
Deus não falhe como os genomas dos meus pais.

Um comentário:

Anônimo disse...

que tristeza é essa menino, raiva de tudo é? mas ele é bem verdadeiro. bonito esse poema.