Desculpe-me,
mas eu me perdi. Distraí-me vendo as nuvens a frevarem alegremente. As nuvens
não ligam para o tempo que passa célere e mordaz. Ouvi nos altos céus o canto
dos afogados e desesperados, eles clamam por nosso instante de paz. E o que
resta da minha alma imortal é egoísta: deseja o sopro que balança as nuvens só
para ela, apenas para desdenhar dos demais.
Distraí-me
vendo o teu corpo a balbuciar o som do suor. A poeira do atrito dos nossos
corpos. Apenas uma fração de alegria para enlatar minha vida junto a tua.
Foi
nesse momento que eu vendi o restante da alma, mas tenhamos calma: agora minha
alegria é em conservas, porque tudo pode ser breve, mas não é pouco.
Sinto
muito, eu me perdi, por um instante, apenas um, eu juro. Foi apenas um segundo
do teu sorriso que me redimiu, desarmou minha ira. Mil dias em um dia e
vice-versa. E eu juro que ainda estou perdido.
Mas
uma dose ou esmola de um afago. Não quero a revogação de nada, apenas olho o
tempo a dançar.
Embriagai-me.
Açoitai-me com os fulgores celestes, mas nesse instante só quero minha carne em
tuas unhas.
Desculpe-me,
me perdi na poeira das palavras, nas chuvas neurais. É necessário dar um nome a
hierarquia dos sentimentos. Retratando em cores nossa vida diante dos olhos
fechados do mundo cruel.
E
enquanto todos estavam cegos:
Vi
teu rosto se espelhar no meu olhar.
Vi
teu olhar refletido no céu, denunciando teus encantos.
Fazia
frio. O frio que fazia tua carne confortaria,
Cortaria
o gélido aço incisivo do tempo.
Sei
que a chuva nos untava de desejos.
E a
expectativa crescia a cada gota que jorrava do céu furado,
E
eu, contava as gotas como se aguardasse um milagre.
É
provável que o firmamento conspirasse contra os nossos intentos.
Todos
os inconvenientes ao nosso favor.
Sei
que enquanto o sal do suor se diluía nas torrentes:
Meus
caninos ansiavam tua carne, minha saliva queria babar teus ossos; e a minha
pele, queria habitar a tua pele. Queria se liquefazer em fluidos corporais.
Queria lamber tua língua.
Queria
uivar pra lua, dilacerar tua pele aos beijos, mordidas e sussurros. O eu animal
se contrapunha ao sensato.
Queria
saciar assim, uma vontade retrógada, reprimida por muitos olhares desconhecidos
e inebriantes.
Queria
dar um fim a minha carne tremula, não queria mais sentir o frio, a chuva, o
som.
Queria
apenas entrelaçar meus braços em volta do que seria meu mundo.
Nas
minhas veias corria um escasso sangue. Nos meus ouvidos, zunidos de frevo e
chiados de alto-falantes.
E
embaixo da chuva, ouvindo cantos de carnaval:
Nossas
peles tão próximas.
Canções
entoadas por pierrôs e colombinas.
Cole
seus segredos em minha pele, eu gritei silenciosamente em seus ouvidos
flamejantes.
Sentia
a unha dela arranhando-me a nuca.
Era
uma partícula de deus. Era a voz do demônio cobrando a aposta.
Era
uma fissão nuclear que explodia em minha boca.
Era
uma luta entre demônios e santos a queimar minha retina.
Segurei
com força todo o ar.
Enterre
toda a sua vida em minha pele.
Sei
que nesse dia, o céu uniu-se a terra.
Atracando
nossos barcos que outrora ficavam embriagados ao mar.
Vi
teu rosto se espelhar nas inúmeras poças d’água.
E a
multidão que nos cortejava, se calava.
Milhares
de vozes mudas e olhos famintos a contemplarem: O beijo.
4 comentários:
poema longo mas é bonito. gostei da narrativa. fiquei imaginando as cenas.
cara até chorei.
valeu, que bom que tenha gostado. eu também leio imaginando cenas, coisa louca essa tal imaginação em?!
ainda bem que chorou, um dos motivos desse blog é fazer as pessoas chorarem, sorrirem e ficarem emocionadas
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